Allan Kardec é uma figura central no espiritismo, cuja influência se estendeu por diversas facetas culturais e educacionais na Europa e além.
Neste artigo, exploraremos o panorama cultural da Europa durante a época de codificação espírita, oferecendo um vislumbre do ambiente que moldou e foi moldado por Kardec.
Vamos detalhar a educação e a carreira de Hippolyte Léon Denizard Rivail antes de sua transformação em Allan Kardec, assim como a jornada que o levou a se tornar o codificador do espiritismo.
Analisaremos suas principais publicações e o legado literário que deixou, sem esquecer de suas contribuições fundamentais para a doutrina espírita.
Por fim, abordaremos o impacto e a difusão do espiritismo pelo mundo, consolidando-se como o Consolador Prometido por Jesus.
O Panorama Cultural da Europa Durante a Codificação Espírita
No século XIX, a Europa estava imersa em profundas transformações sociais, políticas e culturais, influenciadas significativamente pela Revolução Industrial.
Esse período trouxe mudanças na estrutura econômica e social, provocando movimentos migratórios e urbanização acelerada. Esse cenário de rápidas transformações proporcionou um terreno fértil para o questionamento das velhas crenças e a busca por novos significados espirituais, criando um ambiente propício para o surgimento e a propagação do espiritismo.
Paralelamente, o Iluminismo tinha lançado as bases para uma sociedade mais questionadora e menos aceitante das verdades impostas.
O racionalismo e o cientificismo estimularam um olhar mais crítico sobre os fenômenos naturais e humanos, incluindo os aspectos espirituais da existência.
Essa época viu o nascimento de várias correntes filosóficas e científicas que buscavam reconciliar ciência e religião, uma questão central para o espiritismo que Allan Kardec viria a codificar.
A moral consiste em fazer prevalecer os instintos simpáticos sobre os impulsos egoístas.
Auguste Comte
Culturalmente, a Europa também vivenciava o Romantismo, que com sua ênfase nas emoções e na individualidade, contribuiu para um ambiente onde as experiências pessoais com o sobrenatural eram mais facilmente aceitas e exploradas.
O Iluminismo de Voltaire -“Todos os homens são iguais”, o Positivismo de Auguste Comte, onde pedia uma reforma moral na sociedade e o Espírito científico, passaram a ser o critério da compreensão e aceitação de novas maneiras de pensar e viver na Europa.
Educação e Carreira de Professor do Hippolyte Léon Denizard Rivail
Hippolyte Léon Denizard Rivail, mais tarde conhecido como Allan Kardec, teve uma trajetória educacional e profissional distinta que o preparou para se tornar o codificador do espiritismo.
Nascido em 1804, estudou as primeiras letras em Lyon, mas aos 11 anos foi enviado a Yverdun, na Suíça, ao Instituto de Educação de Pestalozzi, uma renomada escola de Johann Heinrich Pestalozzi. Além de estudar naquele Instituto também ensinou, pois, os alunos mais aplicados eram também chamados de submestres.
Lá, ele adotou e aprimorou uma metodologia de ensino que enfatizava o respeito pela individualidade do aluno e o aprendizado através da experiência prática.
Após completar seus estudos, Hippolyte Rivail retornou à França em 1822, onde iniciou uma ilustre carreira como educador e pedagogo. Ele trabalhou como professor de línguas, ciências, física, astronomia, anatomia, matemática e filosofia.
Além de lecionar no Liceu Polimático (Lycée Polymathique), Hippolyte Rivail foi um prolífico escritor de livros didáticos e artigos sobre educação, buscando sempre inovar e melhorar os métodos de ensino.
Publicou vários livros de Gramática, Aritmética, Geometria e Química. Dentre eles: “Plano proposto para melhoramento da Instrução Pública” (1828), “Programa dos cursos usuais de Química, Física, Astronomia e Fisiologia”.
Como educador, Hippolyte Rivail era altamente respeitado por sua integridade e pelo rigor intelectual. Ele defendia uma abordagem racional e sistemática da aprendizagem, que mais tarde aplicaria no estudo dos fenômenos espíritas.
Instituto Técnico Rivail
Hippolyte Rivail fundou em 1826 uma escola de primeiro grau chamada “Instituição Rivail”, localizada na Rue de Sèvres, nº 35, em Paris.
A escola foi inovadora em muitos aspectos, adotando métodos avançados de ensino baseados nos princípios pedagógicos de Pestalozzi, de quem Rivail foi discípulo e colaborador.
A escola destacava-se por seu compromisso com uma educação holística, onde não apenas a instrução intelectual, mas também a formação moral e prática dos alunos eram enfatizadas.
Apesar do sucesso e da inovação pedagógica, a escola enfrentou dificuldades financeiras.
Em 1834, o tio materno de Rivail, que havia investido financeiramente na criação do Instituto, faliu e pediu a devolução do investimento. Para honrar a dívida, Hippolyte Rivail foi obrigado a vender o Instituto.
União e Superação de Obstáculos
Em 1832, Hippolyte casou-se com a professora Amélie Gabrielle Boudet e mudou-se com ela para residir no prédio onde funcionava o instituto.
Nove anos mais velha, Amélie foi sua companheira dedicada e amorosa até o fim. Não tiveram filhos.
Com a venda do Instituto, o casal tentou investir em aplicações financeiras, mas não obteve sucesso. Sem mais recursos financeiros, Rivail e sua esposa puseram-se ao trabalho.
Hippolyte Rivail trabalhou para três empresas durante o dia, enquanto à noite escrevia livros didáticos.
Nos cinco anos seguintes, apesar das dificuldades financeiras, mantiveram em sua casa cursos com ênfase nas ciências exatas para alunos carentes.
A experiência acumulada durante esses anos teve um impacto duradouro sobre Rivail e contribuiu significativamente para sua formação como educador e, futuramente, como codificador do Espiritismo.
Do Professor Hippolyte Rivail a Allan Kardec
A transição do Professor Hippolyte Rivail para o espiritismo foi marcada pelo mesmo rigor metodológico que ele empregou em sua carreira educacional, usando sua habilidade de análise crítica para investigar e codificar a doutrina espírita.
Em 1854, Hippolyte Rivail estava estudando o magnetismo animal e foi através de um amigo, também estudioso do Magnetismo, que se interessou em saber mais sobre as mesas girantes, em moda nos salões de Paris.
Essa atividade era entendida até então como diversão, que consistia em fazer perguntas ao redor de uma mesa que respondia através de pancadas.
A partir de cuidadosas observações, pode verificar que as mesas se moviam sem que ninguém as empurrasse, sugerindo um efeito inteligente por trás de cada resposta obtida.
Inicialmente cético, decidiu prosseguir em suas investigações, movido pela curiosidade e pelo desejo de entender os fenômenos à luz da razão.
Foi na residência da família Baudin, com suas duas filhas médiuns, Julie de 14 anos e Caroline de 16 anos, que em 1855 as reuniões mediúnicas começaram a ser mais frequentes.
Nesses encontros, Hippolyte Rivail teve a oportunidade de observar e registrar várias comunicações espirituais.
Em uma dessas sessões, ele recebeu uma comunicação pessoal de seu protetor espiritual, que lhe incentivou a abraçar a causa do espiritismo, garantindo-lhe apoio espiritual.
Esse Espírito amigo revelou ter convivido com ele em uma encarnação na Gália (as atuais França, Bélgica, Países Baixos, grande parte da Suíça, norte da Itália e Alemanha), onde foram druidas, e que seu nome naquela vida era Allan Kardec.
A partir desse momento, o professor Hippolyte Rivail adotou o pseudônimo de Allan Kardec, assumindo a missão de organizar e catalogar sistematicamente as orientações recebidas pela equipe do Espírito de Verdade, com o objetivo de apresentar à humanidade uma obra de cunho científico, filosófico e religioso.
Rivail coletava dados em sessões comuns e, posteriormente, por solicitação dos Espíritos, em sessões particulares para maior precisão.
Mesmo assim, às vezes levava questões complexas para sessões comuns para confirmação. Mais de dez médiuns colaboraram na coleta das informações.
De suas observações, Rivail constatou que “os Espíritos, sendo apenas almas dos homens, não possuíam a soberana sabedoria, nem a soberana ciência; seu saber era restrito ao grau de sua evolução; e que a opinião que emitissem tinha apenas o valor de sua opinião pessoal”.
À medida que mergulhava nesses estudos, começou a compilar suas descobertas e reflexões, o que eventualmente levou à publicação de “O Livro dos Espíritos” em 1857.
Para assinar esta obra, ele adotou o pseudônimo Allan Kardec, acreditando que esse novo nome simbolizava sua nova identidade e missão de vida.
Contribuições de Allan Kardec para a Doutrina Espírita
Allan Kardec é indiscutivelmente uma das figuras mais influentes na formação e na expansão da doutrina espírita.
Suas contribuições vão além da mera codificação dos textos; ele foi responsável por estabelecer uma base filosófica, científica e ética sólida que transformou o espiritismo em uma doutrina respeitada e seguida por milhões ao redor do mundo.
A publicação de “O Livro dos Espíritos” em 1857 foi um marco fundamental para o espiritismo.
Esta obra, que codificou os ensinamentos recebidos de diversos espíritos, foi publicada por conta e risco de Kardec, pois ele não encontrou editor disposto a assumir o projeto.
Um ano antes da edição, em 25 de março de 1856, Kardec ouviu batidas intermitentes em sua casa e, em uma sessão mediúnica, foi informado de que deveria corrigir um erro no manuscrito.
Ao perguntar quem era o espírito comunicante, recebeu a resposta “a Verdade”, e foi orientado a manter discrição sobre a identidade do espírito.
Kardec não apenas escreveu e publicou livros, mas também se dedicou à disseminação do espiritismo através de palestras e viagens, financiadas com seus próprios recursos.
Em 1858, ele fundou a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, que inicialmente funcionou em sua própria residência. Essa sociedade tornou-se um centro de referência para o estudo e a prática do espiritismo.
Em janeiro de 1858, Kardec lançou a “La Revue Spirite” (Revista Espírita), financiada por ele mesmo. Esta revista serviu como um meio de comunicação vital para divulgar as ideias espíritas, relatar experiências mediúnicas e discutir questões filosóficas e científicas relacionadas ao espiritismo.
A liberdade editorial que ele possuía permitiu-lhe explorar uma ampla gama de temas e responder a críticas e dúvidas sobre a doutrina espírita.
Trabalhando intensamente até o final de sua vida, Kardec estava ciente de que seu tempo era limitado.
Faleceu em 31 de março de 1869, aos 64 anos, devido à ruptura de um aneurisma. Inicialmente enterrado no cemitério de Montmartre, seus restos mortais foram posteriormente transferidos para o cemitério Père Lachaise, onde um dólmen foi erguido em sua memória.
Allan Kardec não teve filhos, mas sua vida pessoal era marcada por uma personalidade expansiva e alegre socialmente, embora mantivesse uma sobriedade e dignidade em suas expressões. Ele foi descrito por Emmanuel como “um dos mais lúcidos discípulos do Cristo”.
Durante os 12 anos em que codificou e difundiu o espiritismo, Kardec enfrentou inúmeras batalhas, incluindo obstáculos, ciladas, calúnias, inveja e ciúme.
O plano espiritual já havia prenunciado essas dificuldades, afirmando que “a missão dos reformadores é repleta de obstáculos e perigos” e que tais missões exigem “humildade, modéstia e desinteresse”.
Allan Kardec demonstrou devotamento, abnegação e estava preparado para todos os sacrifícios necessários para cumprir sua missão.
A jornada de Allan Kardec como codificador do espiritismo deixou um legado duradouro que continua a inspirar e guiar milhões de pessoas ao redor do mundo.
Publicações e Legado Literário de Allan Kardec
Allan Kardec não apenas estabeleceu as bases do espiritismo através de sua codificação, mas também deixou um legado literário profundo que continua a influenciar e inspirar até hoje.
Suas obras são consideradas fundamentais não só para o entendimento do espiritismo, mas também para a reflexão sobre a ética, a vida após a morte e a natureza do universo espiritual.
O ponto de partida deste legado foi “O Livro dos Espíritos”, publicado em 1857, que contém os princípios da doutrina espírita, estruturados em forma de perguntas e respostas.
Esta obra foi seguida por “O Livro dos Médiuns” em 1861, um guia essencial para o entendimento e a prática da mediunidade, oferecendo instruções detalhadas sobre como conduzir sessões espíritas e como discernir entre os diferentes tipos de comunicações espirituais.
Além desses, Kardec publicou “O Evangelho Segundo o Espiritismo” em 1864, que interpreta os ensinamentos de Jesus sob a ótica espírita, promovendo uma mensagem de amor, caridade e moralidade.
“O Céu e o Inferno”, lançado em 1865, explora a justiça divina segundo o espiritismo, e “A Gênese” em 1868, discute os milagres e as predições segundo a ciência espírita, abordando temas como a criação do universo, a evolução da Terra e do homem, e fenômenos naturais.
Essas obras não apenas consolidaram a doutrina espírita, mas também criaram um corpo literário que oferece consolo e orientação para muitas pessoas ao redor do mundo.
Obras complementares de Allan Kardec
- 1858 – “Revue Spirite” – Revista Espírita – periódico inicialmente mensal fundado e dirigido por Kardec até à data de seu falecimento (1869).
- 1858-” Instruções Práticas sobre as Manifestações Espíritas” – Trata-se de um excelente dicionário dos verbetes e significados das palavras utilizadas pela Doutrina Espírita.
- 1859 -” O que é Espiritismo” – Um resumo da Doutrina Espírita, além de esclarecimentos em relação às principais dúvidas e objeções mais comuns que se levantavam em relação à mesma.
- 1862 – “O Espiritismo na sua Expressão mais Simples” – Exposição sumária do ensino dos Espíritos e de suas Manifestações.
- 1890 – “Obras Póstumas” – Trata-se de uma compilação de escritos do Codificador da Doutrina Espírita, Allan Kardec, lançada postumamente em Paris, pelos dirigentes da Sociedade de Estudos Espíritas.
O Impacto e a Difusão do Espiritismo pelo Mundo como o Consolador Prometido
O espiritismo, desde sua codificação por Allan Kardec, não apenas se estabeleceu como uma doutrina filosófica e religiosa na França, mas também se espalhou por diversos países, influenciando culturas e sociedades de maneiras profundas.
Como o “Consolador Prometido“, referência feita por Jesus no Novo Testamento, o espiritismo prometeu trazer consolação e esperança, e seus ensinamentos têm sido uma fonte de conforto e orientação para milhões de pessoas ao redor do mundo.
Geograficamente, o espiritismo encontrou um terreno particularmente fértil no Brasil, onde se tornou uma das maiores expressões religiosas.
No Brasil, o espiritismo influenciou não apenas a esfera religiosa, mas também a cultura popular, a música, a literatura e até mesmo a política.
Instituições espíritas brasileiras têm desempenhado um papel crucial na assistência social, no tratamento de dependentes químicos, na educação e na saúde, refletindo os princípios espíritas de caridade e serviço ao próximo.
O impacto do espiritismo como o Consolador Prometido se manifesta não apenas na adesão de milhões de seguidores, mas também no seu papel ativo em questões sociais e humanitárias, proporcionando um caminho para a transformação espiritual e social.
Allan Kardec, através de sua obra, deixou um legado que continua a crescer, inspirando a busca por um mundo mais justo e fraterno.
Ficou interessado em conhecer a vida e obras de Allan Kardec? Lançado em 2019, a Netflix disponibiliza “Kardec“, filme que tem como objetivo mostrar a trajetória dessa ilustre personalidade.
Adorei a leitura, muito completo.
Texto incrível! Trouxe várias curiosidades de forma leve e cativante! Amei 🥰